Como desenvolver uma dimensão mais cultural em 2017

por Paulo Esteireiro em JM-Madeira

Numa entrevista do jornal Expresso, feita por Luciana Leiderfarb, o médico neurocirurgião e intelectual português de referência, João Lobo Antunes (1944-2016), disse a dado momento que “a vida projeta-se no futuro e se o futuro parece opaco ou enevoado deixamos de fazer projetos.” O contexto pessoal em que Lobo Antunes profere esta afirmação é trágico – o médico estava na altura da entrevista consciente do limitado tempo de vida que teria, tendo acabado por falecer em outubro passado –, mas levou-me a refletir sobre a importância de projetar a vida no futuro, para mantermos a nossa obrigação de continuarmos a realizar novos projetos “em busca de um mundo melhor”, como diria o filósofo austríaco Karl Popper.

A verdade é que, por diversos percalços dos nossos percursos de vida, por vezes, o futuro pode parecer-nos realmente “opaco ou enevoado”. Nos casos em que estamos bem de saúde, os motivos para esta bruma do tempo passarão porventura pela falta de reflexão, de criatividade ou de incapacidade de imaginarmos futuros possíveis. Nesses casos, não estaremos perante uma incapacidade de ver o futuro devido à “morte física” demasiado próxima, mas devido a uma “morte espiritual” que nos tira a capacidade de sonhar e de construir. Como diria tão bem Fernando Pessoa, no poema “D. Sebastião”, “Sem a loucura que é o homem / Mais que a besta sadia, / Cadáver adiado que procria?”, num apelo claro ao sonho como força motora da ação.

Pessoalmente, creio que não há época melhor para sonhar e para projetar no futuro, do que o final de cada ano. É porventura o momento ideal para nos reinventarmos e voltarmos a redefinir o nosso trilho pessoal, na nossa tentativa de fuga à cristalização precoce e na defesa do espírito livre que ainda sobrevive em nós. E é o momento ideal, porque, tal como Jano – deus da mitologia romana, que tinha duas faces, uma olhando para trás, o passado, e outra olhando para a frente, o futuro –, esta época permite-nos pensar no que correu melhor e pior ao longo do ciclo que se fecha e, simultaneamente, parece impelir-nos a querer fazer diferente no novo ano: parar de fumar; fazer a tal viagem; retomar os estudos; iniciar os projetos da nova casa; reatar os laços com velhos amigos; melhorar a forma física e perder um pouco de peso; poupar dinheiro para um investimento; fazer voluntariado junto de quem mais precisa; etc. São inúmeros os votos e promessas realizadas no início de um novo ano, desde os mais banais aos mais nobres.

Pessoalmente, gostaria que nos propósitos para 2017, junto com os habituais planos para as áreas da saúde e do bem-estar, das finanças, das viagens, da educação e do trabalho, fossem inseridos alguns objetivos para a área das artes e da cultura: ler um ou dois livros por mês, preferencialmente de autores regionais; assistir ao longo do ano a 12 espetáculos de teatro, música ou dança; patrocinar uma vez por mês projetos culturais em plataformas de financiamento coletivo (por exemplo, a plataforma de “crowdfunding” PPL), mesmo que seja com o valor de um euro; elogiar semanalmente nas redes sociais, pelo menos um artista local ou regional; escrever regularmente textos, mesmo que breves, sobre atividades culturais a que tenha assistido; comprar discos de artistas regionais, como prendas para amigos e colegas; ir com a regularidade possível ao cinema em família; inscrever numa atividade cultural, que permita aprender um instrumento musical ou participar num grupo vocal (basta ver as ofertas da associação Xaranda, tais como a Tertúlia de Cantigas Tradicionais ou as Oficinas de Formação de Viola de Arame); participar nas atividades dos serviços educativos de museus e bibliotecas; entre muitos outros possíveis.

Este tipo de objetivos poderão ajudar a projetar a nossa dimensão cultural no novo ano e contribuir para a dinamização da comunidade em que nos integramos. É verdade que os planos nem sempre são cumpridos e muitos dos objetivos idealizados não chegam a sair do papel, devido às muitas variáveis envolvidas. No entanto, é igualmente verdade que os planos não deixam de ser bons mapas e roteiros pessoais, não devendo ser entendidos como cronogramas rígidos que somos obrigados a viver. E é melhor, a meu ver, querer mudar as coisas em vez de esperar que a mudança apareça de repente um dia. Assim, aproveite o final de 2016 para fazer o seu plano cultural para 2017 e pode ser que tenha o melhor ano de sua vida.

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