A verdade sobre a fusão de duas escolas de artes



por Paulo Esteireiro, JM-Madeira

Em 1 de junho de 2016, duas das mais prestigiadas instituições educativas de artes performativas norte-americanas anunciaram que já eram oficialmente uma única organização. As instituições em causa são as conceituadas escolas de artes do Conservatório de Boston e da Berklee College of Music. O Conservatório de Boston foi fundado em 1867 e nomeado recentemente um dos “melhores dos Estados Unidos”, sendo a sua área de ação no âmbito da música clássica. Por sua vez, a Berklee tem cerca de 70 anos de atividade e a sua área de ensino centra-se na música contemporânea – aqui entendida, segundo o conceito norte-americano, como toda a música moderna composta para o mercado atual (pop-rock, jazz, electrónica, música para filmes, etc.) –, tendo os seus alunos sido premiados com mais de 300 Grammys e Latin Grammy Awards. Tendo ambas as instituições um elevado sucesso nas suas áreas respetivas, porque motivos estas duas escolas de artes performativas decidiram fundir-se numa única instituição?

A história desta fusão começou um ano antes, em junho de 2015, altura em que as duas organizações assinaram um memorando de entendimento que abriu o caminho para a fusão. Nesse memorando, é relevante indicar que o principal objetivo não era assumidamente financeiro, apesar dos números envolvidos serem impressionantes. A Berklee é um colosso financeiro cujo valor se aproxima dos 100 milhões de dólares e a junção com o Conservatório de Boston irá transformar a nova instituição num valor combinado de 121 milhões de dólares (!). Tendo em consideração os valores envolvidos e a ambição da organização recém-criada, a nova direção conjunta das duas instituições assumiu inclusivamente que, ao longo dos próximos cinco anos, a instituição vai: fazer investimentos significativos no desenvolvimento de novos programas; rever algumas áreas de negócio; procurar aumentar o capital; e melhorar a área de comunicação. Assim, é evidente que a questão financeira não foi um aspeto menor e não pode ser completamente descartada como um dos motivos que conduziram à fusão.

No entanto, apesar disso, no memorando assumia-se que o objetivo principal era a nova organização educativa alcançar a liderança no ensino das artes performativas, através da “criação de uma resposta visionária para as necessidades em rápida evolução dos artistas do século XXI”. Ou seja, a verdade é que o principal motivo é educacional. Com esta fusão, a instituição criada passa a disponibilizar uma oferta educativa que vai desde as obras clássicas tradicionais, até à criação de novas obras artísticas originais que combinem música, dança, teatro e tecnologia. Acima de tudo, a fusão torna esta instituição uma das mais modernas do mundo na variedade e qualidade da oferta educativa em artes performativas.

Ainda segundo o memorando, a fusão permitirá que ambas as escolas possam alavancar os seus pontos fortes individuais na criação conjunta de novos cursos e programas. O Conservatório de Boston tem entre os seus pontos fortes o excelente nível de ensino na música clássica, na ópera, na dança, na representação e no teatro musical. Por sua vez, a Berklee é famosa pela elevada qualidade de ensino em áreas como: a improvisação e a música contemporânea; a tecnologia aplicada à música; a composição de canções; a gestão de todos os aspetos relacionados com o comércio musical; a musicoterapia; o design de som; a produção; a composição para televisão e cinema; e o ensino à distância.

É evidente que uma fusão destas não é feita sem um sentido estratégico muito forte. As duas instituições envolvidas entenderam conjuntamente que é necessária uma modernização constante da educação artística e que ambas as instituições têm muito a ganhar com esta união de recursos. Em última instância, é a sua sobrevivência futura que está em causa, sendo importante anteciparem-se a outras escolas concorrentes.

A área da educação artística em Portugal tem igualmente de se modernizar e isso obriga necessariamente a uma gestão cuidadosa dos poucos recursos existentes, para que seja possível uma aposta em áreas tecnológicas que permitam a inovação e a promoção dos artistas portugueses. Tal como no caso de Boston, é importante acompanharmos o estado atual da indústria musical e não mantermos as nossas escolas oficiais focadas exclusivamente no ensino clássico, apesar de todas as qualidades que este modelo educativo tem, como já várias vezes defendi. O grande valor do ensino da música clássica não pode, no entanto, ofuscar a necessidade de se oferecer oportunidades às crianças e jovens de um estudo aprofundado, em todo o espectro das artes do espetáculo, como estrategicamente fizeram as duas maiores escolas de artes de Boston.

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