As Artes e o Abandono Escolar | por Paulo Esteireiro


no JM-Madeira


Há uns anos atrás, o ex-Ministro da Educação Marçal Grilo escolheu para o título de um livro a frase “O difícil é sentá-los”. Supostamente, Marçal Grilo ouviu esta queixa proferida por uma professora e a frase acabou por ficar famosa na altura, principalmente pelo facto de Portugal ser um país com elevadas taxas de abandono escolar. Assim, numa frase curta, retratava-se na perfeição a dificuldade de persuadir os alunos: a comparecerem na escola; a não faltarem às aulas; e a terem interesse nas matérias escolares. Sem os alunos aparecerem na escola, não há estratégia de ensino que resulte, por mais brilhante e inovadora que seja.

Apesar de Portugal ter recuperado quase milagrosamente, em cerca de 20 anos, de taxas de abandono escolar a rondar os 50% (1992) para aproximadamente 14% (2015), continuamos acima da média da União Europeia neste indicador. No âmbito de um mundo tão competitivo, em que a formação é reconhecidamente um factor decisivo para todos os países, não deixam de ser resultados preocupantes, ainda mais porque níveis baixos de escolaridade, frequentemente representam piores empregos e maiores probabilidades de cair no futuro em situações de risco social e de pobreza.

O problema do abandono escolar não é naturalmente exclusivo de Portugal e a resposta a este flagelo educativo e social tem dado origem a diferentes soluções, no seio da Europa. Uma das respostas mais interessantes está relacionada com o desenvolvimento articulado e estruturado de atividades extracurriculares ou de complemento curricular – conjunto de atividades realizadas na escola mas fora do currículo escolar obrigatório. Enquanto que, em Portugal, ainda há quem veja estas atividades como mera ocupação de tempos livres – para ocupar o espaço de tempo em que os pais não podem ir buscar os filhos à escola –, a verdade é que diversos estudos têm demonstrado existir correlações significativas entre o desenvolvimento destas atividades extracurriculares e a diminuição do abandono escolar precoce.

É aqui relevante recordar que os alunos que abandonam precocemente o ensino têm frequentemente problemas emocionais e comportamentais, sendo a escola um espaço onde não têm sucesso e que percecionam como algo de negativo na sua vida. Assim, internacionalmente, os programas que promovem atividades extracurriculares visam normalmente aumentar a participação e integração dos alunos em atividades escolares e proporcionar-lhes experiências escolares positivas. Entre os pontos fortes destas atividades na vida dos alunos salientam-se: a flexibilidade no apoio a crianças em risco; o seu impacto positivo na mudança da cultura escolar; o seu papel na recolha de informação importante; e o seu valor na prestação de apoio e aconselhamento.

Neste contexto, as artes e o desporto ocupam frequentemente um papel central nestas atividades. No caso da Madeira, queria destacar aqui o projeto das Modalidades Artísticas, que é um projeto artístico único a nível nacional e que é responsável por levar a educação artística em contexto extracurricular, aos alunos do ensino básico e secundário, nos seguintes domínios: expressão dramática/teatro; dança; canto coral; instrumental/bandas rock; cordofones tradicionais madeirenses; e artes plásticas. Este projeto regional representa uma decisão de política educativa com forte impacto, que permite a todos os alunos, no sistema de ensino regular, terem a opção de aceder a práticas artísticas e de participarem em atividades escolares, sem ser em contexto curricular. Se não houvesse este projeto, ao longo dos 12 anos de escolaridade, os alunos só teriam acesso ao ensino de música, por exemplo, nos primeiros seis anos de escolaridade. No caso do teatro e da dança, nem teriam acesso. Uma implicação importante deste projeto é expressa no facto de muitos alunos envolvidos nestas atividades participarem em grupos artísticos, nas suas comunidades, fortalecendo assim os laços entre a escola e a comunidade envolvente.

Como aponta um estudo sobre as modalidades artísticas – no 2.º e 3.º ciclos e secundário –, que brevemente será publicado, na opinião dos diretores de escola da região e dos professores envolvidos, este projeto tem contribuído para uma melhor dinâmica cultural da escola, quer nas atividades festivas, quer em atividades culturais realizadas fora da escola. Além de ter aumentado o número de alunos a praticar artes, decorrente destas atividades, também aumentou bastante o número de iniciativas culturais e o envolvimento de professores e alunos nas atividades escolares. Este tipo de projetos artísticos podem constituir uma mais-valia e uma estratégia relevante na integração dos alunos com maior risco de insucesso ou abandono escolar, sendo essencial cada vez mais olhar para as atividades extracurriculares como um investimento central no combate ao abandono escolar precoce e que, mais tarde, poderá permitir uma poupança em despesas relacionadas com a exclusão social.

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