"Alguém viu um peixe às riscas?"


JM-Madeira, por Paulo Esteireiro


A Semana Regional das Artes (SRA) é um evento único em Portugal e com um impacto educativo e turístico impressionante. No plano do turismo, é evidente o fascínio provocado nos visitantes, pelos espetáculos protagonizados por cerca de 4000 crianças e jovens da Madeira. Em todos os momentos artísticos, há sempre turistas a assistir e muitos deles sabem os horários de todos os eventos e são os primeiros a chegar aos locais. Além de assistirem às dezenas de espetáculos, milhares de turistas também param e saboreiam a exposição regional de expressão plástica na avenida Arriaga e tiram outros milhares de fotos, que certamente partilharão nas redes sociais, divulgando o centro do Funchal – embelezado pelos trabalhos artísticos das nossas escolas –, um pouco por todo o mundo. Acredito mesmo que muitas das histórias que os turistas contarão, ao voltar às suas regiões de origem, estarão relacionadas com a SRA.

Se ainda não teve oportunidade de fazer parte deste evento, ainda vai a tempo. Hoje é o último dia em que poderá ver a exposição de expressão plástica na avenida Arriaga e tem ainda a oportunidade de assistir ao 5.º Festival da Canção Juvenil da Madeira, às 21h30, no Auditório do Jardim Municipal, que será simultaneamente o espetáculo de encerramento da SRA.

Uma animação cultural deste nível é certamente motivo de admiração e, atrevo-me a dizer, até de ciúme por parte de muitos visitantes. Em Portugal, por exemplo, admito que muitos municípios e regiões adorariam ter um evento deste tipo e só não o fazem, porque simplesmente não têm condições para o conceber. Para organizar um evento como este é preciso: muita dedicação de uma equipa de produção extensa, especializada e com espírito de missão; e também muito empenhamento por parte de professores, alunos e encarregados de educação. Mas, principalmente, é imprescindível algo que muitas regiões do país gostariam de ter e não têm: décadas de experiência e uma tradição artística consolidada no ensino genérico. Só é possível ter um cartaz turístico singular e raro, como a SRA, porque existe um ensino artístico de qualidade ímpar, quer no ensino genérico, quer no ensino especializado, quer em regime extraescolar. Em suma, esta mostra pública só é exequível porque há um excelente trabalho educativo de base que dá competências artísticas em música, teatro, dança, artes plásticas e cinema, sendo a SRA o “palco” final privilegiado para todos os alunos.

Assim, a SRA é o final de um processo e não o seu início, visto que: para poder haver um ESCOLArtes (espetáculos que serão brevemente transmitidos pela RTP Madeira), tem de haver um trabalho de fundo em expressão musical e dramática, no 1.º Ciclo do Ensino Básico; para haver espetáculos de teatro, dança, cordofones tradicionais e instrumental/bandas rock, protagonizados pelas escolas do ensino genérico, é necessário haver ao longo do ano um trabalho continuado no projeto de modalidades artísticas (em regime extracurricular); para haver grupos musicais de elevada qualidade, é preciso realizar um trabalho ininterrupto em regime de ensino artístico especializado e em atividades extraescolares; para haver um Festival de Audiovisual e Cinema Escolar é necessário haver formação específica, um concurso de curtas-metragens e um projeto Educamedia a apoiar as escolas; e, finalmente, para haver uma Exposição Regional de Expressão Plástica, é imprescindível coordenar e realizar um trabalho de formação, acompanhamento e articulação entre todos os professores de expressão plástica.

Acima de tudo, quem acompanha de perto esta semana percebe que a SRA é um evento adorado pelas crianças e jovens. Numa altura em que se fala que as escolas ocupam demasiado tempo do dia de uma criança – como nunca ocupou na história da educação! – a SRA é um oásis em que estas podem simultaneamente ser criativas, brincar e aprender. Além de aprenderem as competências próprias da área artística – dançar, representar, tocar, cantar, pintar, etc. –, os alunos desenvolvem competências pessoais e sociais únicas, tais como persistência, resolução de problemas em conjunto, autoconfiança, saber estar em grupo, companheirismo e amizade, lidar com frustrações e medos, entre muitos outros aspetos que a SRA estimula.

Ao nível pessoal, a SRA de 2016 teve também um forte valor emotivo. Pela primeira vez, a minha filha mais velha participou neste evento e durante largos meses andou emocionada por ir participar no ESCOLArtes (Ex-MÚSICAebs). Contou naturalmente a toda a família – vezes sem fim – e treinou os passos de dança e as frases que tinha de dizer – também vezes sem fim. A personagem que lhe coube representar foi a Dory – um peixe do filme da Disney “À procura de Nemo” – e ao acabar este texto, parece que ainda estou a ouvir a frase que ela disse centenas de vezes enquanto ensaiava: “Alguém viu um peixe às riscas?”

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