FORMAR EQUIPAS vs SEBASTIANISMO

por Paulo Esteireiro, JM-Madeira

O desaparecimento do rei D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir, no norte de África, transformou-se num dos mais famosos mitos portugueses: o “Sebastianismo”, a esperança de que o rei regressaria um dia, para salvar o país de todos os seus problemas, numa manhã de nevoeiro...

O mito está tão enraizado na nossa cultura e na mentalidade portuguesa, que é frequente ouvir-se dizer numa discussão em grupo, sempre que algo está a correr mal: «é preciso vir alguém endireitar isto». Veja-se o exemplo do futebol, onde em Portugal este tipo de mentalidade leva normalmente ao despedimento do treinador e na busca constante de um novo “Dom Sebastião”, porque o velho já não presta. Normalmente os dirigentes até percebem que o problema não é o treinador, mas os adeptos tornam a situação de tal modo insustentável, que torna-se politicamente obrigatório procurar um novo líder. Se compararmos isto com a cultura inglesa, onde o “manager” fica no cargo por períodos extensos, percebe-se a diferença de mentalidade na atribuição das culpas: quando as coisas falham, a culpa é da equipa e nem sempre, ou exclusivamente, do treinador.

É importante esclarecer que não se pretende desvalorizar aqui o papel da liderança e do líder – faltam inclusivamente boas lideranças em muitas organizações artísticas –, mas sim salientar que uma das suas principais funções é, exatamente, formar uma boa equipa. Se é verdade que isto é óbvio, também não é menos verdade que na atualidade é frequente observar-se alguma inabilidade ou desvalorização da tarefa de formação de equipas, em algumas das organizações das áreas artísticas – mas não só –, que vou tendo a possibilidade de acompanhar.

O problema é que quando se valoriza mais o líder do que a formação da equipa, o normal é acontecer uma das seguintes situações: (1) o líder não forma equipa e pensa que consegue resolver quase tudo sozinho sem delegar; (2) o líder recebe uma equipa e tem de trabalhar com ela, mesmo que esta não tenha o “desenho” ou formação necessária para os desafios que estão pela sua frente; (3) o líder tem condições para formar uma equipa, mas não o sabe fazer porque não aprendeu a “desenhá-la” e acaba, por vezes, a procurar formar o seu grupo de trabalho com base exclusivamente na lealdade ou, pior ainda, no compadrio. É por isso que, frequentemente, um projeto está condenado desde o início, exatamente porque não há equipa para concretizar a ideia inicial, mesmo que esta ideia seja a melhor do mundo. Não se está a ver Cristóvão Colombo aceitar ir à procura do “novo mundo”, se os reis de Espanha lhe tivessem dito: «Tens aqui um barco e três familiares meus, sem experiência de navegação, mas irão ser-te leais. Juntem-se os quatro e utiliza a tua capacidade de liderança, o teu poder de decisão, a tua habilidade inata de resolução de problemas e traz-me ouro e novas terras…»

Assim, qualquer pessoa que seja convidada ou tenha oportunidade de liderar um projeto, tem de refletir sobre a liberdade que terá para criar uma boa equipa, de acordo com os problemas que terá de ultrapassar. Quais os objetivos centrais a alcançar? Qual o tamanho ideal da equipa necessária? Qual o perfil e competências dos colaboradores? Que papéis devem estar presentes? Quais as normas de colaboração que todos devem saber?

Esta é uma área em que é impressionante o crescimento científico das últimas décadas. Por exemplo, a professora de Psicologia Organizacional Ute Hülsheger coordenou um estudo em que demonstrou que uma das principais características de uma equipa, para ser inovadora, é ter entre 5 a 10 elementos (torna a equipa mais coesa; mais rápida na tomada de decisões; facilita os consensos; e possibilita uma contribuição individual mais eficaz). Noutro estudo, o professor Bret Bradley, especialista em liderança, negociação e dinâmicas de pequenos grupos, demonstra que as equipas que têm melhor performance são aquelas constituídas por pessoas com grande abertura, estabilidade emocional e flexibilidade, porque conseguem trabalhar melhor em situações de risco e de conflitos. Existem inclusivamente organizações, como a Belbin, que se dedica a implementar um modelo de equipa (desde 1981), defendendo que as equipas com melhores resultados têm pelo menos nove “papéis” diferentes, mesmo que alguns membros da equipa acumulem dois ou três desses “papéis”.

Em suma, é altura de as organizações artísticas começarem a centrar os seus objetivos não apenas em critérios estéticos e artísticos, mas também organizativos. Só com boas equipas conseguiremos resultados artísticos de excelência. E há por aí boas práticas com grande sucesso junto do turismo e das famílias madeirenses. Não se pode é continuar a trabalhar isoladamente.

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