Por uma cultura sustentável | Jornal da Madeira

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Num dos seus escritos sobre as artes do espetáculo, Philip Kotler, considerado o pai do marketing moderno e o maior especialista mundial em marketing estratégico, questiona-se «como seria uma grande cidade sem orquestra, ópera, companhia de bailado, teatro e atuações ao vivo». Kotler refere naturalmente que a indústria cultural e de entretenimento é uma área preciosa e que as pessoas que gerem os programas de artes do espetáculo precisam de ser profissionalizadas e de utilizar todas as ferramentas de gestão e de marketing.
É nesta profissionalização que se encontra o centro do problema e a questão central. Nas últimas décadas temos assistido a uma melhoria do ensino artístico na região sem precedentes. Além da relevante melhoria no ensino da música erudita e do jazz realizadas pelo Conservatório (CEPAM) e pela Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia (DSEAM), é de realçar a estratégia muito forte da DSEAM na transmissão de competências direcionada para as organizações culturais existentes na RAM. Assim, os grupos musicais criados na DSEAM e os que promoveu nas escolas de toda a RAM no contexto do projeto de Modalidades Artísticas têm funcionado de viveiros para grupos de música tradicional, grupos corais, bandas de rock, bandas filarmónicas, tunas e orquestras de bandolim ou até grupos de teatro. O problema é que o tecido cultural da Madeira não tem ainda uma estrutura profissional ou mesmo semiprofissional que possa absorver alguns dos nossos melhores artistas que estão a ser formados com grande qualidade no CEPAM e na DSEAM. Se fizermos uma analogia com o desporto, é como estarmos a formar futebolistas nas nossas escolas e depois não existirem clubes de futebol para estes treinarem ou jogarem.
Urge assim criar condições para que as associações culturais sem fins lucrativos possam semiprofissionalizarem-se e começarem a aproveitar o excelente trabalho feito pelo ensino. Entre as medidas mais urgentes a tomar, destacaria as seguintes: a) aumentar progressivamente as verbas previstas para as subvenções a associações culturais. Relativamente às críticas aos apoios públicos à cultura e à política dos subsídios, há que referir que se todas as áreas são subvencionadas publicamente – saúde, educação, desporto, agricultura, empresas, etc. –, por que motivo a cultura não haveria de ser? Se se mantiver os cortes realizados nos últimos anos, a consequência será o desaparecimento ou o enfraquecimento das associações existentes; b) criar política de espaços culturais (interiores e exteriores), que aumente a oferta de espaços culturais de pequena e média dimensão – no centro e junto da zona turística –, e que incentive a organização de ciclos artísticos e espetáculos regulares, para aumentar a previsibilidade dos mesmos e deste modo permitir uma vida cultural cosmopolita aos residentes e uma planificação atempada aos turistas antes da sua estadia (a política de festivais tem sido positiva, mas absorve demasiados recursos que serviriam para criar provavelmente dez vezes mais concertos ao longo do ano pelos artistas locais); c) profissionalizar a venda de bilhetes nos agentes culturais e envolver em reuniões os vários intervenientes da cultural e do entretenimento da Madeira de modo a criar incentivos para que os sites e plataformas online sobre a Madeira comecem a vender em português, inglês, francês e alemão, atividades culturais, tais como espetáculos artísticos; d) resolver o problema da incapacidade dos agentes culturais em aceder a fundos europeus, criando na DRC um gabinete especializado que oriente os atuais subsídios para a coparticipação das instituições que se candidatem a projetos europeus, permitindo assim aos agentes culturais o aumento de emprego e de receitas; e) resolver o problema da raridade de formação para os agentes no ativo no domínio cultural, criando incentivos a um conjunto de formações técnicas em áreas-chave como o marketing e a produção artística, distribuição, edição musical e de vídeo, etc.; f) incentivar editoras regionais, através de apoios pontuais, a venderem produtos culturais regionais (CDs, DVDs, Livros, E-Books, etc.) em plataformas internacionais dominantes como a iTunes, Amazon, etc. e assim colocar os produtos regionais culturais nos mercados dominantes e onde mais se consome cultura.
As políticas acima descritas seriam geradoras de emprego e permitiriam uma semiprofissionalização do sector. Só assim poderemos ter associações culturais com estruturas mais consistentes e com maior longevidade.

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