Entrevista a João Paulo Janeiro

João Paulo Janeiro lecciona Órgão, Música de Câmara e Baixo Contínuo na Escola de Música Nossa Senhora do Cabo (Linda-a-Velha), onde dirige também a Oficina de Música Antiga. É mestre e doutorando em Musicologia Histórica pela Universidade Nova de Lisboa, sendo actualmente o responsável global e porta-voz da comissão organizadora do Fórum Musicológico O Património Musical em Portugal: Inventariação, Projectos, Urgências, que se vai realizar no próximo mês de Outubro no Palácio dos Aciprestes, em Oeiras.

Tendo em consideração a crescente importância do movimento musical de recuperação do património musical, o JEEA decidiu entrevistar o professor João Paulo Janeiro para saber a sua opinião sobre: (1) Os principais objectivos do Fórum Musicológico do próximo mês de Outubro (2); A importância da recuperação do património musical português do passado (3); Os principais desafios colocados aos intervenientes da educação artística nas próximas décadas.

Jornal Electrónico de Educação e Artes: Quais os principais objectivos do Fórum Musicológico que vai decorrer no próximo mês de Outubro no Palácio dos Arcipestres?

João Paulo Janeiro: A realização deste fórum emerge de preocupações partilhadas pelos membros da comunidade musicológica que trabalham com o património musical em Portugal nas suas diferentes expressões: iconográfica, organológica e fundos musicais manuscritos ou impressos.

Todos os investigadores desta área sentem dificuldades relativamente à ausência de um levantamento exaustivo, tornando algumas das tarefas básicas da investigação em acções verdadeiramente ciclópicas, o que representa um enorme investimento em termos de energia e tempo de trabalho.

É verdade que existem catálogos de algumas das principais bibliotecas e arquivos musicais, a maior parte dos quais publicados com o apoio da Fundação Gulbenkian. Presentemente decorrem projectos integrados de inventariação de fundos musicais, sob orientação do Prof. Doutor Manuel Pedro Ferreira, designadamente o Levantamento Digital do Património Musical até 1600, desenvolvido no âmbito do CESEM (unidade de investigação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL), e do património organístico, sob orientação do Prof. Doutor Gerhard Doderer. Subsistem, porém, lacunas nos catálogos já publicados e em muitos locais desconhece-se a relevância musical dos arquivos ou pura e simplesmente da sua existência. Paralelamente, vão surgindo notícias avulsas de pequenos espólios, e cada investigador no decurso do seu trabalho depara-se com situações de património por cuidar. Mas a informação que existe sobre este património é esparsa, não se encontra facilmente acessível, nem está centralizada. Por outro lado, as ferramentas de trabalho on-line identificam apenas uma ínfima parte da documentação existente relativa à actividade musical em Portugal.

Esta situação de dificuldade de obtenção e de acesso à informação deixa o investigador sem outra alternativa que não seja a de trilhar percursos amiúde sinuosos de contactos pessoais para poder encontrar um determinado documento.

Urge, pois, discutir o modo como esta situação poderá ser ultrapassada a fim de que a informação fique disponível para comunidade científica e a investigação possa decorrer com maior celeridade.
Com o Fórum Musicológico a acontecer em Outubro próximo, pretendemos relançar a discussão sobre este tópico decisivo para a investigação, iniciando um recenseamento dos locais com património musical, inventariado ou por inventariar, partilhando experiências, cruzando metodologias utilizadas em outros projectos de inventariação e apontando alguns dos caminhos possíveis para colmatar esta lacuna.

JEEA: A conservação do património musical português do passado pode ter que efeitos benéficos para a cultura portuguesa?

JPJ: Uma cultura, enquanto elemento identitário de um grupo de pessoas, só existe na medida em que este grupo reconhece e respeita a herança dos seus antepassados, a qual aponta necessariamente para o que há de imanente nas características desse grupo. Não para que se fique preso a esse passado, mas para que se possa conviver com esses testemunhos, e nessa medida permitir uma construção da memória futura que se distinga e interaja com outras culturas.

Conhecermos o património musical português é permitirmo-nos amar o que somos em termos de tradição musical e não adoptar unicamente modelos de outros passados já certificados por tradições musicais diversas, às quais recorremos em gestos de aproximação e de validação do sentir cultural.

Neste sentido, o conhecimento e a conservação do património musical português constituem uma parte dos processos de referenciação histórica que reconstroem permanentemente a nossa identidade cultural. E é por causa da relevância que o património musical tem no seio da cultura portuguesa, seja pela magnitude da sua expressão, seja pela capacidade de interpretar e traduzir os traços mais profundos da nossa identidade que a sua conservação constitui, sem qualquer dúvida, um elemento fundamental na garantia daqueles processos.

JEEA: Vivemos numa época de fortes mudanças sociais, que inevitavelmente influenciam a área da educação e das artes. No estado actual do ensino, que desafios se colocam aos intervenientes da educação artística nas próximas décadas?

JPJ: É bastante difícil responder a esta pergunta de modo objectivo, mas diria que aos intervenientes da educação artística, em particular aos que lidam directamente com o Ensino da Música, o desafio essencial é colocar as artes no centro da formação do indivíduo em interacção com as restantes disciplinas, pois, como sabemos, são significativos os efeitos deste ensino em áreas como a matemática, a física, etc. além de que permite estimular uma prática auto-reflexiva, essencial para a evolução do pensamento colectivo de um povo.

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