Mais do mesmo no São Carlos

No passado dia 20 de Junho foi apresentada a Temporada 2006-07 do Teatro Nacional de São Carlos. No plano geral, a nova Temporada é muito pouco surpreendente, não havendo novidades entusiasmantes, principalmente no que diz respeito à política, filosofia e organização do São Carlos.

A Temporada Lírica inclui um total de oito óperas. As óperas mais inesperadas são a ópera-tango “Maria de Buenos Aires” de Astor Piazzolla (estreia a 29 de Junho de 2007), que vai contar com a fadista Mísia como intérprete central – o elemento mais surpreendente da temporada, porque quem conhece o trabalho de Mísia, sabe que a cantora tem uma excelente expressão artística e uma personalidade forte, mas é uma cantora bastante limitada –, e a ópera “Montezuma” de Antonio Vivaldi (estreia a 4 de Abril de 2007), cuja encenação será a estreia absoluta nos tempos modernos. Entre as restantes seis óperas da temporada, cinco pertencem ao grande repertório internacional de ópera, merecendo principal destaque: “A Valquíria” de Richard Wagner (estreia a 24 de Fevereiro de 2007), a esperada continuação do ciclo “O Anel do Nibelungo”, cujo prólogo “O Ouro do Reno” criou grande impacto esta temporada; “Wozzeck” de Alban Berg (estreia a 17 de Janeiro de 2007), ópera que já constitui um clássico do repertório entre o repertório do século XX; e “Macbeth” de Giuseppe Verdi (estreia a 31 de Maio de 2007).

A abertura da temporada será feita no próximo dia 30 de Novembro com a ópera “Così fan tutte” de Mozart. A temporada lírica conta ainda com a ópera “L’Italiana in Algeri” de Gioachino Rossini (estreia a 2 de Maio de 2007) e com a ópera-oratória “Oedipus Rex” de Stravinsky (estreia a 15 de Dezembro de 2006), que será apresentada numa versão de concerto, em conjunto com a “Génesis Suite”, obra encomendada em 1944 pelo maestro e compositor norte-americano Nathaniel Shilkret a alguns dos principais compositores da época (Schönberg, Milhaud, Castelnuovo-Tedesco e Stravinsky).

Na temporada sinfónica, destacam-se alguns concertos de homenagem aos compositores Mozart, Chostakovitch e Fernando Lopes-Graça – o único compositor português que sobrevive na actual temporada –, um ciclo de quatro concertos com Sinfonias de Schumann e seis concertos em co-apresentação com o CCB, tal como tem acontecido nas últimas temporadas.

A nova temporada conta ainda com um pequeno ciclo de concertos comentados – “Os Concertos Comentados do São Carlos Foyer” –, dedicados aos seguintes temas: “Beethoven-Casella” (início a 9 de Fevereiro); “Música na Corte de Maria Bárbara” (começo a 15 de Março); e “Os Compositores Portugueses do Liberalismo e a Ópera” (início a 12 de Abril).

Breve comentário à temporada

Tendo em consideração os normais desígnios públicos de um teatro lírico nacional, no plano europeu, considero um dever cívico realizar alguns breves comentários à nova temporada do Teatro Nacional de São Carlos. Entre os objectivos básicos de um teatro com as características do São Carlos, contam-se habitualmente os seguintes: (1) Internacionalização do prestígio do teatro; (2) Difusão da arte de ópera ao maior número possível da população; (3) Estímulo para a criatividade artística; (4) Defesa e promoção dos artistas nacionais; (5) aumento do nível cultural do país.

No que diz respeito ao primeiro objectivo, o Ministério da Cultura e a Direcção do Teatro têm alcançado bons resultados. Tem sido prática corrente a produção de grandes óperas do repertório internacional – com a participação de excelentes cantores e maestros do circuito internacional – e é bem visível que algumas das produções têm apresentado encenações inovadoras ao nível europeu, que bem prestigiam o nosso teatro.

Infelizmente, no que diz respeito aos restantes quatro objectivos, as coisas complicam-se para os responsáveis do nosso Teatro Lírico. Em nenhum dos objectivos atrás apresentados os resultados são de bom nível.

A difusão da ópera, ao maior número de pessoas e ao público mais variado possível, está muito longe de ser uma realidade. A esmagadora maioria da população portuguesa continua afastada do Teatro São Carlos e nada se faz para chegar ao público infantil e juvenil – como acontece noutros teatros líricos europeus de referência –, nem se criam temporadas alternativas para aproximar o público adulto do São Carlos. Em suma, continua a não haver “Sessões de ópera infantis e juvenis”, que visem iniciar os jovens na arte de ópera e a garantir o futuro do género, e não se realizam “Sessões mais informais e ligeiras” com musicais e operetas. Estes mercados alternativos, existentes noutros teatros europeus, poderiam permitir um melhor aproveitamento dos recursos humanos do São Carlos (ainda subaproveitado, a meu ver) e permitir aos compositores, maestros e cantores portugueses, um mercado de menor responsabilidade, que a temporada lírica de cariz internacional. Além disso, sem dúvida que estas temporadas alternativas ajudariam muito a estimular a criatividade artística nacional. Defender, como faz a direcção do São Carlos, que 113 espectáculos e 50 000 espectadores ao longo de um ano inteiro são números elevados, só prova que os objectivos são pouco ambiciosos. Senão vejamos dois exemplos: (1) o Gran Teatre del Liceu realiza uma média de 300 sessões por ano, chegando a cerca de 400 000 espectadores; (2) até uma orquestra privada portuguesa, sem nenhum subsídio público, como é a Orquestra Didáctica da Foco Musical (com cerca de 50 músicos), no último ano realizou 22 espectáculos onde tocou para 30 000 espectadores.

Finalmente, uma temporada de um Teatro Nacional onde apenas consta um compositor português, não pode afirmar que defende e promove de forma sistemática os artistas nacionais. Enquanto a política for esta, não haverá um aumento do nível cultural português, ficando o coro e orquestra do São Carlos a tocar para o mesmo público de sempre com o mesmo dinheiro do erário público.

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