Sexteto Dr. Passos Freitas (II) - Continuação


Em 17 de Maio de 1928, o Sexteto Dr. Passos Freitas, embarcou no navio “Ceylan”, para uma tournée artística com destino a Inglaterra e França. A viagem viria a ser extremamente bem sucedida, resultando na gravação de vários discos para a Sociedade «His Master’s Voice», numa época em que ter gramofones era um luxo de poucos e a gravação de discos um sonho quase impossível para os músicos madeirenses.

Em 23 de Maio, o grupo desembarcava em Inglaterra. A viagem não serviu apenas para os habituais enjoos, tendo o grupo aproveitado para tocar em algumas ocasiões a bordo. O Diário de Notícias de 27 de Maio noticiava mesmo que o Sexteto havia actuado diversas vezes a bordo do “Ceylan”, sendo «sempre aplaudidíssimo», o que demonstra bem a boa aceitação do público ao grupo ou pelo menos a grande amizade nutrida pelo redactor do Diário.

A chegada a Inglaterra levanta-nos algumas questões interessantes. Quem os esperava em Londres? E como surgiu a oportunidade de realizar esta tournée a um dos principais centros europeus? A solução mais provável é a que aponta para alguns contactos ingleses que o grupo terá realizado nos hotéis do Funchal, nas suas actuações em concertos de caridade. Deste modo, algumas famílias aristocráticas inglesas, que passaram férias no Funchal e que ouviram o grupo a actuar ainda na Madeira, terão criado laços de afecto com elementos do grupo e, consequentemente, convidado o Sexteto para a realização de concertos em Londres.

Já na capital britânica, o grupo realizou então alguns concertos em salões aristocráticos, tendo ainda sido apoiado por D. Manuel de Bragança (o último rei de Portugal, exilado então em Londres), que auxiliou o sexteto na realização de dois concertos públicos, de grande envergadura, num dos maiores “music-halls” de Londres (embora desconheçamos qual).

Nesses concertos, o grupo voltou a agradar ao público, de tal modo que foi convidado por elementos da companhia de gramofones «His Master’s Voice» para gravar alguns dos números do seu programa. O convite acabou mesmo por se concretizar e, no dia 13 de Junho, o Sexteto gravou 12 discos, segundo informações da época, embora actualmente só tenhamos conhecimento do paradeiro de 5 deles. Convém salientar que os discos em 1928 não eram como nos nossos dias e que cada um continha apenas a gravação de duas músicas. Logo, 5 discos equivalem a 10 músicas, das quais conhecemos as seguintes (é possível que tenha havido alguma confusão e o grupo tenha gravado apenas 12 músicas, logo 6 discos, e não 12 discos). Entre o repertório estrangeiro, contam-se a “Polonaise em Lá”, de Chopin, a “Serenata Espanhola”, de J. Malats, a “Danse Norvegienne”, de E. Grieg, a “Air de Ballet”, de C. Chaminade e a "Sérénade D’Arlequim à Colombine”, de N. Lambert; no repertório nacional, constam o “Fado”, de Rui Coelho, a “Dansa dos Conversados”, o "Bailarico Minhoto” e o “Fado n.º 11” de Raul de Campos.

O grupo musical liderado por Fernando Clarouin durou cerca de 40 anos, embora com formações diferentes (ora quinteto, ora septeto, ora sexteto, ora octeto...). Curiosamente, embora seja praticamente certo que na viagem a Inglaterra e França só terão ido seis elementos, com base nas notícias dos Diários da época e do jornal parisiense “L’Estudiantina” (que contém inclusivamente uma foto do sexteto), nos discos a autoria é remetida para o «Septêto Passos Freitas sob a direcção de Fernando Clarouin». Um mistério que fica para aprofundar noutra ocasião.

Perto do final da vida do grupo, em 1959, este ainda mantinha uma qualidade admirável, comprovada por um dos maiores músicos portugueses do século XX, o maestro Frederico de Freitas, aquando da sua visita ao Funchal, que reagiu assim a uma serenata realizada pelo então septeto madeirense no “Atlântic Hotel”: «Passava da meia-noite, quando uma música suave... primeiro à distância, depois mais perto... começou a penetrar o meu quarto. Nem sei o que senti... o meu espírito ganhou forças e levantei-me... fui até à janela... uma melodia dum colorido enternecedor subia por entre as árvores dos jardins, beijadas por um luar de prata...»

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