Mozart “alla Turca”

O Rapto do Serralho de Mozart, uma das óperas que melhor ilustra a predilecção pelos temas turcos na Europa do final do Séc. XVIII, vai ser apresentado no Teatro Nacional de São Carlos. A composição de O Rapto do Serralho foi impulsionada pela então recém-criada companhia de ópera alemã – “National Singspiel” –, constituída com o objectivo de defender e promover o teatro tradicional alemão. Em 1781, o director desta companhia, Gottlieb Stephanie, encomendou a Mozart a composição da parte musical para uma peça de Friedrich Bretzner: Belmonte und Konstanze.

Devido ao contexto da encomenda, Mozart seguiu n’O Rapto do Serralho o modelo do género Singspiel, abandonando a típica estrutura formal da ópera italiana. Deste modo, os diálogos são falados e não cantados, tendo como principal função o relato da acção, enquanto que as árias e duetos servem essencialmente para expressar a emoção das personagens e comentar emocionalmente a acção. Esta procura de fundamentar a ópera em modelos germânicos, num claro detrimento parcial dos modelos italianos, chegou mesmo às partes de canto. Por exemplo, em algumas personagens, Mozart afastou-se do modelo da ária italiana e compôs melodias ao estilo da canção popular.

Além da busca de inspiração em modelos germânicos, Mozart também se inspirou nos elementos orientais presentes no libreto. No século XVIII, as 1001 Noites e os quadros turcos povoavam o imaginário europeu, com as suas lendas de sultões, escravos e castigos cruéis; com os seus gigantes e génios; e, talvez principalmente, com os famosos haréns. Visualmente, não é também possível esquecer a influência das roupas coloridas e exóticas, dos belos palácios exóticos, das jóias preciosas e das belas mulheres misteriosas. Esta influência turca tornou-se inclusivamente numa “moda turca”, que alterou os costumes e hábitos vienenses.

No plano musical, Mozart retratou os elementos turcos principalmente através da conhecida “música militar turca” – que inspirou, por exemplo, Beethoven na 9.ª Sinfonia e Haydn na ópera L’incontro improvviso. Deste modo, Mozart decidiu criar dentro da orquestra uma unidade de percussão constituída por alguns instrumentos encarregados da missão de transmitir esta cor oriental: triângulo, pratos, bombo, timbales e outros instrumentos de percussão.

Na parte do canto, como já parcialmente adiantado, Mozart dispôs musicalmente os cantores em dois planos. O herói e a heroína da história receberam de Mozart grandes árias ao estilo italiano, de cariz mais refinado, enquanto que as partes musicais dos criados foram inspiradas no estilo das canções populares.

A história da ópera é bastante simples de resumir, não sendo decididamente o elemento de maior valor desta obra. Belmonte, um nobre espanhol procura a sua amada Konstanze, que foi raptada por piratas, juntamente com a sua criada Blonde e o criado de Belmonte, Pedrillo (noivo de Blonde). A acção desenrola-se no palácio de Paxá Selim, onde Belmonte acredita que Konstanze se encontra cativa. No palácio, Belmonte encontra Pedrillo e ambos montam um plano para salvar as duas amadas. Têm, no entanto, dois obstáculos de peso: Osmin, o perverso capataz dos jardins do palácio está apaixonado por Blonde e o Paxá Selim quer que Konstanze aceite o seu pedido de casamento. Após as habituais peripécias, o cruel Osmin cai em desgraça e Selim revela-se bondoso, sensato e sábio, deixando que os dois pares amorosos regressem a Espanha.

Entre os cantores destacam-se a soprano Iride Martinez (Konstanze), o tenor Bruce Ford (Belmonte), o baixo islandês Bjarni Thor Kristinsson (Osmin), a soprano Whal Ran Seo (Blonde) e o tenor português Mário João Alves (Pedrillo). A direcção musical está a cargo de Julia Jones, enquanto que o responsável pela encenação é Mattia Testi, que irá repor uma encenação original de Giorgio Strehler (1921-1997).

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