Após gravar alguns dos principais compositores portugueses, a pianista Tatiana Pavlova meteu-se agora num projecto de grande envergadura: gravar a obra integral de Rachmaninoff para piano solo.
Rachmaninoff (1873-1943) é um compositor difícil de interpretar. Além de exigir um enorme virtuosismo de dedos, as suas obras são muitas vezes complexas no domínio da análise musical, o que complica o trabalho dos intérpretes que abordam Rachmaninoff. Entrincheirado entre as coordenadas românticas – de onde partiu como pianista e compositor – e os novos sons modernos da primeira metade do século XX – que o rodearam em vida – uma compreensão integral da obra de Rachmaninoff exige um bom conhecimento da revolução musical operada no início do século XX, que levou à dissolução da música tonal e à procura de novos materiais musicais. É certo que nas obras que integram este álbum ouve-se principalmente o Rachmaninoff romântico – “obediência” ao sistema tonal, apesar de uma exploração de harmonias mais distantes ao centro tonal; virtuosos acompanhamentos a percorrer a quase totalidade do âmbito do piano; melodias extremamente cromáticas; atmosferas tensas e misteriosas; etc. No entanto, aqui e acolá pode-se ouvir a exploração de escalas e sonoridades mais típicas do modernismo musical do que do romantismo, tais como o pentatonismo e o modalismo, bem como uma técnica de encadear acordes que já é complicada de encaixar nos modelos românticos.
O virtuosismo e a difícil análise da obra de Rachmaninoff parecem fáceis nas mãos de Tatiana Pavlova. É impressionante o virtuosismo “ofegante” da pianista bem como a compreensão que demonstra das intenções musicais de Rachmaninoff, parecendo ser claro para Pavlova : o carácter que é dado a cada tema melódico (ora tenso, ora com hesitações, ora ainda delicado ou apaixonado); e o modo como os diferentes estados de espírito se vão encadeando parece absolutamente “natural” nesta gravação. A maneira como Pavlova representa as ideias musicais de Rachmaninoff é, em suma, absolutamente brilhante, sendo fácil de acreditar que fossem estas as reais intenções do compositor. Esta ideia é inclusivamente expressa pelo único aluno de Rachmaninoff, o príncipe Tibor Yusti von Arth, que se refere a Pavlova nos seguintes termos: «O som e a imaginação desta artista, metricamente flexível, são soberbos a ponto de me fazer crer que o próprio Rachmaninov se teria sentido agradado com as suas execuções.»
Tatiana Pavlova, “Sergei Rachmaninoff”, 2 CDs, Numérica
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