Giuliano Carmignola “Concerto Veneziano”



Na primeira metade do século XVIII, Veneza era uma cidade povoada de acontecimentos artísticos, que atraíam turistas e comerciantes de toda a Europa. As casas de ópera de Veneza realizavam temporadas ao longo do ano inteiro – foi inclusivamente em Veneza que em meados do séc. XVII surgiu a primeira casa de ópera aberta ao público pagante – e várias orquestras de cordas realizavam concertos públicos, que fascinavam os turistas e comerciantes que visitavam a cidade.
O Concerto para cordas tornou-se num dos géneros musicais centrais na vida dos compositores italianos, sendo um dos primeiros géneros exclusivamente instrumentais a ter grande sucesso junto do “grande público”. Este sucesso com um género exclusivamente instrumental merece um breve comentário, visto que ajuda a compreender as características do concerto de então. Os géneros musicais de maior sucesso junto do “grande público” têm normalmente como fio condutor a voz (canções e árias de óperas) ou uma forte componente rítmica e corporal (músicas para dançar). As que misturam os últimos dois factores são inclusivamente as que têm maior sucesso.
No caso do concerto veneziano, os compositores, sem utilizarem directamente o canto e uma métrica para dançar, conseguiam “cantar” e alcançar o “corpo”. Aos instrumentos solistas era atribuída a função do canto, que atingiam neste género funções semelhantes aos cantores de ópera de então (compositores como Vivaldi compunham inclusivamente para os dois géneros); o “corpo” era alcançado através de um virtuosismo extraordinário, apenas possível devido ao grande desenvolvimento do violino e das técnicas e efeitos musicais para este instrumento.
Este álbum, “Concerto Veneziano”, apresenta estas principais características do concerto para cordas da primeira metade do século XVIII, através de três dos principais compositores do género: Antonio Vivaldi, Pietro Antonio Locatelli e Giuseppe Tartini.
Os dois concertos de Vivaldi presentes neste disco têm uma forte componente teatral – Concerto para Violino e Cordas em Si bemol maior, RV 583 e Concerto para Violino, Cordas e Continuo em Mi menor, RV 278. Um bom exemplo dessa teatralidade de Vivaldi é o primeiro andamento do Concerto em Mi menor, em que estamos nitidamente perante uma ária de ópera para violino. O violino “canta” o seu desespero e preocupação, num ambiente tenso e negativo, que vai sendo ecoado pelo tutti orquestral, como se fosse uma personagem de ópera a expressar as suas angústias amorosas.
O Concerto para Violino em Sol maior, op. 3 n.º 9 de Locatelli apresenta como principal curiosidade as secções de cadenza extremamente compridas e virtuosas, às quais o compositor designou de capricio. A obra de Locatelli é também um bom exemplo da habitual forma tripartida dos concertos de então: Rápido (Allegro) – Lento (Largo) – Rápido (Allegro). O espírito do primeiro andamento é marcado por uma solenidade cerimonial alegre, pautada por momentos de virtuosismo do solista; o fluir lento do segundo andamento é marcado por uma seriedade, doçura e nobreza sentimental; e o último andamento recupera a alegria e virtuosismo inicial, que em Locatelli é frequentemente contrastada com momentos enigmáticos de dúvidas, como quem relembra que na vida os momentos de alegria são alternados com os de tristeza.
Finalmente, o Concerto para Violino, Cordas e Continuo em Lá maior, D. 96 de Tartini é o exemplo perfeito de uma composição para violino em que o objectivo é imitar ao máximo a voz humana.

Giuliano Carmignola, “Concerto Veneziano”, 65’56’’, Deutsche Grammophon

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